É importante antes de mais nada levar em consideração o fato de eu morar no Norte do Brasil, especificamente em Belém do Pará, bairro periférico Terra Firme. A localização por si só já diz muito sobre a situação enfrentadas por mim, minha família e a comunidade onde vivo, era tudo muito novo e assustador, a covid 19 era uma realidade no inicio que parecia ser só em outros lugares, outros estados como a tv aberta mostrava. Assim que a pandemia avançou e chegou até nós, foi o momento em que o medo tomou conta de nós, principalmente pelo fato do isolamento tirar da maioria das pessoas da periferia o seu sustento, já que boa parte era autônomo e precisava sair de casa todos os dias para trabalhar nas feiras livres, nos ônibus, nas praças e espaços públicos como os e as artistas de rua, empregadas domesticas, mestres de obras como meu pai e outros. A sensação era de total insegurança, haja visto que a ciência ainda lutava para descobrir uma forma de controlar o vírus e que para a maioria da população em situação de vulnerabilidade ainda que tivesse controle o remédio chegaria bem mais tarde do que quem tinha poder aquisitivo, fora a exposição aos riscos de contaminação principalmente pela questão da falta de saneamento básico nos bairros periféricos, insegurança alimentar, e a necessidade de sair ás ruas para tentar se “reinventar”, como diziam na tv, uma piada, pois nós afrodescendentes não fazemos outra coisa desde a abolição da escravidão a não ser criar estratégia para sobrevivermos. A saúde mental nunca foi tão afetada quanto na pandemia, eu mesma quase tive uma crise de pânico, tudo por que meu pai que é mestre de obras se contaminou no serviço e eu acabei me contaminando através dele, foi leve, mas o medo de piorar era grande , o medo de minha mãe que é hipertensa e meu irmão especial também ficarem doentes me deixou muito mal. Eu pensava: Meu deus, para onde vou se isso acontecer, o que dar a eles, estou doente mas preciso ser mais forte para cuidar da família. A tv mostrava a toda hora os dados de pessoas mortas, covas abertas esperando uma remessa de corpos, frigoríficos cheios de cadáveres, não se podia nem prestar ultima homenagem por que o velório não era permitido ocorrer como tradicionalmente. Tentei usar as armas que tinha, uma alimentação de qualidade dentro do que eu podia comprar, não tinha emprego fixo, estava na época só vivendo do hip-hop e da poesia periférica, bem como palestras e oficinas que eu ministrava, aí do nada fiquei sem ter como ganhar um trocado, salvo alguns trampos virtuais que eram escassos. Na época depois que melhorei da covid a imprensa me procurou por eu ser artista local para me entrevistar, a pauta era falar como eu descobri que estava com covid e como eu agi, fora isso as demais emissoras não foram de tanta utilidade para a comunidade, por que não mostravam a realidade por exemplo de quem não tinha como comprar álcool, sabão, mascaras, de quem não podia “ficar em casa” como orientavam, por que né, se ficasse quem ia prover o sustento da família, a pandemia deixou muitas mulheres viúvas fora as mães solo, e estas não tinham escolha, precisavam ir a luta mesmo sabendo que era ariscado. A pauta sobre politicas públicas em governo que estava em vigência no momento era algo que quase não se podia falar, primeiro que o presidente Bolsonaro propositalmente contingenciou recursos da saúde, ciência, educação , acabou com ministérios importantes como o das mulheres e direitos humanos, então não havia muito o que fazer a não ser tentar sobreviver na medida do possível, com o auxílio emergencial que para muitas e muitos foi um martírio representado por filas enormes nas portas das agências bancárias e nos cras . O que poderia ter sido feito para mitigar ou reduzir as dificuldades durante a pandemia, acredito que primeiramente seriedade ao tratar do assunto, coisa que o presidente não fez, pelo contrario, zombou da população, tratou a covid como gripezinha, negligenciou assistência, bloqueou recursos, dificultou o acesso da população mais pobre aos auxílios. A compra da vacina deveria ter sido feita tão logo liberada e disponível para uso e também posso afirmar que a questão da moradia foi uma das dificuldades que a população enfrentou e que não apontaram solução eficaz, eu e minha família fomos remanejados de nossa casa no inicio de 2021, auge da pandemia, por que o governo do estado insista em concluir uma obra que era para ter sido feita há quase 20 anos atrás. Muitos de nossos vizinhos passaram pela mesma situação, hoje nem sei onde foram morar e alguns até morreram nesse período.