Testemunho: Maycom Mota de Almeida Souza
Quando a pandemia chegou, eu estava na linha de frente, no jornalismo da Globo, indo para os locais onde a Covid-19 estava devastando comunidades e sobrecarregando sistemas de saúde. Ao lado do Manoel Soares, tive a oportunidade de contar histórias no Fantástico, que mostravam de perto a realidade da pandemia em nosso país. Foram meses intensos, entre hospitais e cemitérios, captando a luta de um povo que enfrentava algo que ninguém esperava.
No início da pandemia, lembro bem da sensação de insegurança que todos nós tínhamos, especialmente nas periferias. Em lugares como o Capão Redondo, onde cresci e ainda tenho muitos amigos e familiares, a insegurança não era apenas a de pegar o vírus. Era o medo de não ter acesso a atendimento, de não ter comida na mesa, de estar vulnerável em todos os aspectos possíveis. Ver a comunidade enfrentando a pandemia sem a estrutura básica de saúde, sem apoio suficiente, foi um golpe duro para todos.
Enquanto trabalhava, participei de um projeto especial com a engenharia da Globo: montamos um estúdio na casa do Caco Barcellos. Essa estrutura foi pensada para que ele pudesse trabalhar com segurança, sem sair de casa, e contou com muita dedicação e improvisação. Foi um alívio vê-lo tomando sua primeira dose de vacina – um momento de esperança em meio a tanto caos. E esse tipo de esperança, de um retorno à segurança, era algo que desejávamos para todos.
Mas, infelizmente, as periferias foram deixadas à própria sorte em muitos momentos. Havia solidariedade nas ruas e entre vizinhos, sim – a comunidade sempre encontrou formas de se apoiar – mas a ausência de políticas públicas efetivas deixou um vazio enorme. A imprensa teve um papel importante ao mostrar essa realidade. Ao cobrir as dificuldades das favelas e bairros pobres, ao lado de Manoel e de outros colegas, buscávamos trazer luz a essa luta, denunciar o descaso e cobrar uma resposta. Mas a impressão é que muitas vezes as vozes que vinham desses lugares eram apenas ouvidas, nunca atendidas.
Havia uma sensação de impotência. A cobertura nos levava a lugares que nos mostravam a realidade crua, mas sem uma ação concreta para mudar as coisas. A segurança alimentar, o acesso a cuidados de saúde, o suporte psicológico – tudo parecia falhar ao mesmo tempo. E mesmo com a imprensa expondo esses problemas, as respostas vinham devagar, e muitas vezes eram insuficientes. É difícil ignorar o quanto poderia ter sido feito para evitar tanto sofrimento.
Para mim, essa experiência foi intensa. Estava lá, com a câmera na mão, documentando cada segundo, mas também sentindo, como qualquer um que vê seu povo sofrendo. Estávamos ali, não apenas como jornalistas, mas como parte dessa história, como alguém que vive a realidade da periferia e vê as dificuldades diárias de sua comunidade.
Olho para trás e penso no que poderíamos ter feito melhor como sociedade, como governo, como imprensa. Talvez mais atenção às políticas públicas focadas em regiões periféricas, mais recursos para assistência à saúde, e, acima de tudo, mais dignidade para aqueles que lutam todos os dias para sobreviver. A pandemia deixou marcas profundas, mas também nos mostrou o quanto ainda precisamos evoluir na forma como cuidamos e ouvimos os mais vulneráveis.